“Ai que saudades que eu sinto
Das noites de São João
Das noites tão brasileiras na fogueira
Sob o luar do sertão”…
Luiz Gonzaga
Gosto de uma Festa de São João que vive no recôndito de meu coração, aninhado a tantas boas lembranças da infância. A véspera de São João uma noite, vizinha à maior noite do ano – o 21 de junho-, e que era quase passada em claro, em volta de uma fogueira… Como aquela noite que os cristãos passam em Vigília e que é a Mãe de todas as Vigílias, ou seja, de todas as noites passadas em claro pelos cristãos, para cultivar a memória de que Deus age na história, a noite da Páscoa.
Na noite de São João a casa ficava aberta e era bem vindo quem por ela passasse. Passagem é a tradução em língua portuguesa da palavra hebraica, Pessach (פסח) Páscoa. Recordava a passagem do anjo exterminador pela terra do Egito, eliminando pela raiz toda tirania, fazendo passar Israel, a pé enxuto, da escravidão à liberdade através das águas do Mar Vermelho.
Na noite de São nós passávamos de casa em casa, perguntando: São João passou por aí? E, lá de dentro se respondia: Passou! Era a senha para poder entrar, comer, beber, dançar. Era um modo de recordar o profeta João celebrado nesta noite. Profeta que passou sua vida no deserto da Judeia a pregar a libertação prometida por Deus e a pedir arrependimento e conversão.
Uma noite onde barreiras sociais caiam, nós os pobres entrávamos nas casas dor ricos. Parecia que o anúncio de conversão proposto pelo Batista tinha sido acolhido e todos eram conscientes de que o Batismo nos fizera irmãos ao redor da mesma mesa de amendoim, milho, canjica, laranja, queijo de cuia – iguaria que nós pobres só experimentávamos uma vez durante o ano-, licor. A mesa farte e bem ornamentada, muitas vezes com uma colorida toalha retalho, colocada no centro da sala, parecia ser expansão da Mesa-Altar da Eucaristia na qual o Cordeiro de Deus, apontado presente no mundo pelo São João do Carneirinho, se imolara como nosso alimento para nutrir a vida eterna prefigurada na fraternidade e que se prolongará na eternidade das Núpcias do Cordeiro na Casa do Pai que tem as Portas sempre abertas para receber as filhas e os filhos que vêm das periferias e das distâncias que o pecado e a fragilidade humana impõem e que, ao menos por uma noite, pareciam eliminadas.
Esta Noite recorda o nascimento do Batista. Nascimento é o desabrochar da vida que tem início no escuro do ventre materno e é dada à luz. Seja cada noite de São João a profecia de tempos novos de fraternidade e de harmonia. São João é o único Santo ao lado da Virgem Maria (8 de setembro) que se celebra o nascimento. De todos os demais santos, via de regra, se celebra o dia da Morte ou o dia mais perto dela, pois a morte para a fé cristã é o nascimento para o Paraíso e por isso os primeiros cristãos o chamavam dies natalis, ou seja, dia natal, dia do nascimento. Como terra natal é a terra do nascimento. A morte de São João, seu martírio é celebrado dia 29 de agosto.
Celebrar a noite do Nascimento deste menino é entrar na mesma experiência dos vizinhos e parentes de Zacarias e Isabel que, ao ouvirem dizer como o Senhor tinha sido misericordioso para com Isabel, “alegraram-se com ela” (Lucas 1, 58). Alegria é a palavra de ordem. Celebrar a noite do Nascimento deste menino é dizer com o Profeta: “O Senhor chamou-me antes de eu nascer, desde o ventre de minha mãe ele tinha na mente o meu nome” (Isaías 49, 1) e poder cantar com o salmista: “Fostes vós que me formastes as entranhas, e no seio de minha mãe vós me tecestes” (Salmo 138/139, 13). Na vida de cada criança que vem ao mundo diz que está viva a esperança na humanidade sobre a nossa existência há um Projeto e tudo isto nós comemoramos. Comemorar com comer nada tem a ver! Significa Com (juntos)+memor (memória)+ar(desinência que forma um verbo). Comemorar significa lembrar juntos. A lembrança não pode ser um ato isolado, mas conjunto. Um Povo que recorda: re (de novo) corda (coração). Recordar é por o coração em movimento. Buscando as memórias que ativam o melhor que há dentro nós. Dentro dos nossos corações tecidos pelas mãos de Deus no ventre de nossas mães.
Comecei visitando meu coração para estimular você também a visitar o seu encontrar os retalhos com os quais Deus o teceu ao longo de sua história, fazendo dele a mesa central da festa.
Viva São João-Festa boa!
Pe. José Raimundo dos Santos
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