Realizou-se no dia 15/03/2018, no Pontifício Colégio Pio Brasileiro, um evento formativo, como parte dos Quintais de Cultura, que trouxe à tona a possibilidade da reflexão mística no âmbito da Filosofia. Para refletir esta temática foi convidada a fenomenóloga Angela Ales Bello, professora da Pontifícia Universidade Lateranense (PUL) de Roma. Para fundamentar esta reflexão, partiu-se da filosofia de Edith Stein.
Na esteira dos grandes clássicos, como Santo Agostinho, e fundamentada na fenomenologia de Edmund Husserl, Edith Stein mostra a possibilidade do ser de unidade abrir-se ao transcendente sem perder de vista a sua identidade. Mas foi a partir da leitura da obra de Santa Teresa de Ávila, que Stein se abre à dimensão espiritual no confronto entre o interno e o externo para acolher, filosoficamente, a unidade do ser a partir da reflexão sobre a empatia.
Filosofia e mística são duas vias pelas quais se pode conhecer a verdade, mas a verdade é única. A diversidade de vias não modifica a verdade, a não ser o próprio caminho pelo qual se coloca em ação, ou viabiliza o seu percurso no intuito de alcança-la.
A verdade que transcende o sujeito, por ser externa e objetiva, não se alcança se primeiro não se alcance a verdade do ser na sua individualidade. Aqui surge a necessidade de aprofundar a busca da compreensão do ser na sua subjetividade, na perspectiva de identificá-lo como sujeito, como um ser de unidade entre o interior e o exterior. Stein compreende que é na empatia que se dá a relação entre o imanente e o transcendente. Nesta relação, o ser se identifica na sua unidade relacional. A sua existência vivencial entra em relação com o outro que é externo a si próprio e, nesta relação, o ser se apropria da sua existência pessoal, como sujeito de relação, e apropria-se do outro como objeto de conhecimento. Ao mesma tempo, ele percebe a existência do outro, que se apresenta como um fenômeno diante do sujeito, o qual toma consciência de si, como um ser de interioridade e de exterioridade, ou seja, imanente e transcendente.
A consciência de si e da existência do outro leva o ser humano a perceber a sua corporeidade e as suas capacidades afetivas e intelectuais. E, ao perceber o outro como seu semelhante tanto quanto diferente, o homem se abre ao transcendente, tomando consciência da sua dimensão espiritual. A compreensão do homem como um ser corpóreo, vivente, animado e espiritual, levou Stein a aprofundar a reflexão sobre o sentido da alma. O debate sobre a existência da alma, como uma possibilidade de que ela pudesse englobar o ser humano na sua totalidade e elevá-lo a uma dimensão transcendental, contribuiu para uma nova visão de mundo, contrariando o debate que se fechava em torno do avanço científico e da técnica e, ao mesmo tempo, deixava de fora a reflexão sobre o ser humano como ser espiritual, o qual transcende a sua imanência e se abre ao eterno.
Transcender a imanência supõe a existência de uma dimensão externa que tem por base uma dimensão interna que se abre ao outro. Esta atitude leva o reconhecimento da sua própria finitude e, ao mesmo tempo, a abertura à grandeza infinita. A partir desta percepção, Stein, tendo por base a obra de Santa Teresa, o Castelo interior, começa analisar a dimensão espiritual como uma relação direta com o infinito. Ela ressalta a oração e a meditação como sendo a porta pela qual se entra no seu próprio interior na busca da grandeza infinita. Todavia, percebe a importância da autoconsciência e a consciência de si como meios imperfeitos, mas importantes na busca do conhecimento de Deus. Stein analisa as sete moradas, que estão contidas dentro do castelo, como passos importantes para o encontro com Deus e a vivência da mística, ou seja, de uma espiritualidade específica.
Stein ressalta que o encontro com o infinito pode se dar de duas maneiras: Primeira, por uma busca elaborada e cansativa, como um empenho cotidiano do homem em busca se Deus, sem perder de vista a graça que vem ao seu encontro; Segunda, por uma irrupção de Deus que dispensa o cansativo caminho para se chegar até Ele. É Deus que vem ao encontro, irrompendo com todas as experiências anteriores e levando o homem a fazer a sua própria experiência de um Deus que se manifesta, que transforma o ser humano, mas sem que este perda a sua capacidade de vontade, a consciência de si e da existência do outro. A partir de Santo Agostinho, ela retoma a categoria do amor para aprofundar o sentido da Santíssima Trindade, entendendo o amor como a essência da relação na Trindade.
Diante do cientificismo do século XVIII e do psicologismo do século XIX, Edith Stein apresenta uma via de mediação que ressalta no ser humano a dimensão do espírito. Ela não perde de vista a importância da ciência tecnológica e o avanço da psicologia, mas procura centralizar a atenção ao homem, a partir da filosofia fenomenológica, como um ser espiritual.
Pe. José Anchieta Arrais de Carvalho
Doutorando em Filosofia Política – Pontifícia Universidade Lateranense (PUL).
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