Seguindo o calendário litúrgico italiano, a comunidade do Colégio Pio Brasileiro celebrou a solenidade de Corpus Christi no domingo, 03 de junho, na capela Nossa Senhora Aparecida. Contando com a participação de cerca de 75 pessoas, entre os presbíteros estudantes, a equipe de direção, as irmãs Filhas do Amor Divino e convidados, a Santa Missa foi presidida pelo reitor do Colégio, padre Geraldo Maia.
O reitor iniciou sua homilia fazendo uma reflexão sobre o mistério eucarístico apresentado na Quinta-Feira Santa e no Corpus Christi, desenvolvendo depois o tema da aliança de Deus com a humanidade e o valor salvífico do Corpo e do Sangue do Senhor, bem como da presença do Senhor na sua Igreja, citando os grandes nomes da patrística e do magistério, como São João Crisóstomo, Santo Irineu, Santo Agostinho e os Concílios de Latrão, Florença, Trento e Vaticano II. “Na Eucaristia que celebramos, perpetuamos o único mistério pascal que Jesus Cristo realizou uma vez por todas, quando derramou o seu sangue para selar a nova e eterna Aliança. É esta Eucaristia que nos edifica como Comunidade viva. Todas as vezes que celebramos o mistério eucarístico, deixamo-nos ser plasmados pela sua ação performativa, enquanto esperamos a consumação escatológica. (…) É esta presença perpetuada do Senhor que preenche o nosso vazio e o nosso silêncio, dá sentido às nossas dores e sofrimentos e nos cumula de alegria e de esperança. A aparente ausência física se faz presença nas espécies consagradas. Foi este o modo kenótico que o Senhor encontrou para permanecer conosco, para sempre”, meditou.
Ao final da Santa Missa, foi realizada uma procissão eucarística nas dependências do Colégio, finalizada na Capela Três Mártires com a benção do Santíssimo Sacramento.
Texto e fotos: Padre João Paulo Veloso, Arquidiocese de Palmas – TO
Homilia do Padre Geraldo Maia na Solenidade do Santíssimo Corpo de Cristo
A Liturgia da Igreja dispõe de dois momentos para celebrar, de maneira especial, a Eucaristia, ainda que o faça em todas as missas. O primeiro desses momentos é a Quinta-feira Santa. Na primeira parte do Mistério pascal se acentua a instituição deste sacramento, desejado ardentemente pelo Senhor Jesus. O segundo momento é esta Solenidade de Corpus Christi ou Corpus Domini. Se no primeiro acentuamos a instituição da Eucaristia, como nova e eterna Aliança no sangue do Senhor, aqui enfatizamos a sua presença sacramental e salvífica no meio da humanidade.
A belíssima Liturgia da Palavra que acabamos de ouvir tem um termo que perpassa todas as leituras: Aliança. O Livro do Êxodo narra a instituição da Aliança de Deus com o seu povo. Moisés imola sacrifícios animais e recolhe deles, em vasilhas, o sangue, sinal da vida que é oferecida. Após ler o livro da Aliança para o seu povo e mediante o seu acatamento, Moisés derrama o sangue sobre o altar e o asperge sobre o povo, dizendo: “Este é o sangue da aliança que o Senhor fez convosco, segundo todas estas cláusulas” (Ex 24,8b).
Fora, de fato, mediante o sangue de animais que Deus livrara os primogênitos de seu povo das mãos do anjo exterminador no Egito. O sangue colocado nos umbrais das casas do povo de Deus fora sinal de salvação (Ex 12,7.13.23). São João Crisóstomo, numa belíssima homilia, lança uma pergunta retórica: “O sangue de um cordeiro tem poder para libertar o homem dotado de razão? É claro que não, responde ele, não porque é sangue, mas por ser figura do sangue do Senhor” (Cat. 3,13-19).
Na narrativa da instituição da Eucaristia, o Evangelho segundo Marcos nos diz que Jesus “tomou o pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o e o entregou aos seus discípulos, dizendo: ‘Isto é o meu corpo’” (Mc 14,22). A seguir, tendo tomado o cálice e dado graças, distribuiu-o aos seus discípulos, mediante estas palavras: “Isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado em favor de muitos” (Mc 14,24). A Epístola aos Hebreus nos ensina o sentido destes gestos e palavras: Jesus Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus, por isso ele é mediador de uma nova aliança (cf. Hb 9,14b-15a).
Selando a Aliança definitiva com o novo Povo de Deus, Jesus Cristo quis permanecer conosco. Deixou-nos sua presença como memorial de salvação. Desde o início do cristianismo, os cristãos procuraram entender o modo desta presença do Senhor. Inácio de Antioquia nos diz que “… a Eucaristia é a carne de Nosso Salvador Jesus Cristo, carne que sofreu pelos nossos pecados e foi ressuscitada pela bondade do Pai” (Esm. 7,1). Segundo Justino, “…estas coisas não as recebemos como se fossem pão comum e bebida comum, mas do mesmo modo que Jesus Cristo nosso Salvador se fez carne pela Palavra de Deus e tomou carne e sangue para nos salvar, assim também nos foi ensinado que o alimento convertido em Eucaristia pelas palavras de uma oração procedente (…) é a carne e o sangue daquele Jesus que Se encarnou por nós” (1ª Apologia, 66). Argumentando contra os gnósticos, Ireneu de Lião faz uma analogia esclarecedora: “… como o pão que vem da terra, ao receber a invocação de Deus, já não é pão comum, mas a Eucaristia, feita de dois elementos, o terreno e o celeste, do mesmo modo os nossos corpos, por receberem a Eucaristia, já não são corruptíveis por terem a esperança da ressurreição” (Adv. Haer. IV, 18,4.). Assim, os elementos eucaristizados, o pão e o vinho, se tornam uma nova realidade, corpo e sangue do Senhor, fonte de nossa salvação.
Agostinho de Hipona nos ensina a diferenciar a presença eucarística, a partir da palavra eucológica: “O que vedes, caríssimos, na mesa do Senhor, é pão e vinho; mas esse pão e esse vinho, acrescentando-se-lhes a palavra, tornam-se corpo e sangue de Cristo… Tira a palavra, e tens pão e vinho; acrescenta a palavra, e já tens outra coisa. E essa outra coisa que é? Corpo e Sangue de Cristo” (Sermão 6,3).
Bem mais tarde, a Profissão de Fé de Berengário, formulada pelo Concílio local de Roma, em 1059, afirma uma “conversão de substância” que ocorre no pão e no vinho, por força da oração sagrada e das palavras de nosso Redentor (cf. DS 700). Era a gênese de nova terminologia que haveria de ser adotada na formulação de fé.
A tradição latina cunhou um termo que foi adotado para expressar o sentido desta presença: “transubstanciação”. O IV Concílio do Latrão o assumiu oficialmente em 1.215. A expressão foi confirmada no V Concílio do Latrão (1415-1417) e no Concílio de Florença (1438-1444). O Concílio de Trento, diante das controvérsias do protestantismo, consagrou a expressão, referindo-se ao modo da mudança que acontece nos elementos eucarísticos, afirmando que esta mudança “foi com muito acerto e propriedade chamada pela Igreja Católica transubstanciação” (DS 1642; cf. DS 1652).
O Concílio Vaticano II entendeu a Eucaristia como mistério, com variadas dimensões: Sacrifício eucarístico do Corpo e Sangue do Senhor, para perpetuar o Sacrifício da cruz, no decorrer dos séculos, até à sua volta; o memorial da morte e ressurreição de Jesus Cristo; sacramento de piedade; sinal de unidade; vínculo de caridade; banquete pascal e escatológico (SC, 47).
O Beato Paulo VI, procurando explicar o diferencial da presença eucarística em relação às demais presenças do Senhor na sua Igreja, afirma: “Esta presença chama-se ‘real’, não por exclusão como se as outras não fossem ‘reais’, mas por antonomásia porque é substancial, quer dizer, por ela está presente, de fato, Cristo completo, Deus e homem” (MF, 41). São mudados o significado e a finalidade dos elementos eucarísticos porque houve uma mudança de suas substâncias. Paulo VI continua: “convertida a substância ou natureza do pão e do vinho, no Corpo e no Sangue de Cristo, nada fica do pão e do vinho, além das espécies; debaixo destas, está Cristo completo, presente na sua ‘realidade’ física, mesmo corporalmente, se bem que não do mesmo modo como os corpos se encontram presentes localmente” (Ib., 48).
São João Paulo II, recolhendo grandes intuições da Patrística, nos recordou que a Eucaristia faz a Igreja. De fato, a Eucaristia é performativa, enquanto edifica a Igreja, formando o verdadeiro Corpo de Cristo, do qual é seu sacramento (cf. EE). Bento XVI nos apresentou a Eucaristia como o sacramento da caridade e nos ilustrou o sentido da Aliança: “No mistério da sua obediência até à morte, e morte de cruz (Fil 2, 8), cumpriu-se a nova e eterna aliança. Na sua carne crucificada, a liberdade de Deus e a liberdade do homem juntaram-se definitivamente num pacto indissolúvel, válido para sempre” (SCa, 9). É na caridade, pela ação epiclética, que a Comunidade de fé é edificada.
Na Eucaristia que celebramos, perpetuamos o único mistério pascal que Jesus Cristo realizou uma vez por todas, quando derramou o seu sangue para selar a nova e eterna Aliança. É esta Eucaristia que nos edifica como Comunidade viva. Todas as vezes que celebramos o mistério eucarístico, deixamo-nos ser plasmados pela sua ação performativa, enquanto esperamos a consumação escatológica.
Fazendo-se presente entre nós, Jesus Cristo deseja permanecer conosco até à consumação da história, assim como prometeu à Igreja nascente. É esta presença perpetuada do Senhor que preenche o nosso vazio e o nosso silêncio, dá sentido às nossas dores e sofrimentos e nos cumula de alegria e de esperança. A aparente ausência física se faz presença nas espécies consagradas. Foi este o modo kenótico que o Senhor encontrou para permanecer conosco, para sempre. Em sua doação perpetuada, Jesus Cristo expressa todo o seu amor para com cada um de nós, selando, diuturnamente, sua Aliança com a humanidade. É o Papa Francisco que nos adverte: “vivendo a Eucaristia, adoremos e agradeçamos ao Senhor por este dom supremo: memória viva do seu amor, que forma de nós um só corpo e nos conduz à unidade” (Homilia, 18.06.2017).
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