No domingo, dia 23 de junho, conforme o costume na Itália, a Comunidade do Colégio Pio Brasileiro comemorou a Solenidade de Corpus Christi. A missa foi celebrada na Capela de Nossa Senhora Aparecida, às 12h, presidida por Pe. Wellistony Carvalho Viana, Diretor Espiritual, concelebrada por vários presbíteros e com a presença das Irmãs Filhas do Amor Divino. Após a missa foi feita procissão com o Santíssimo Sacramento até à Capela dos Três Mártires, onde seguiu a bênção solene. Na ocasião, o Pe. Wellistony proferiu a seguinte homilia.
A festa nasceu em 1264 a partir de um milagre eucarístico ocorrido em Bolsena, perto de Orvieto: um sacerdote, celebrando a missa, vê o vinho se transformar em sangue e apara com o corporal, que depois foi levado em procissão solene para a cidade de Orvieto por determinação do papa Urbano IV. Foi a primeira procissão de Corpus Christi, que depois foi consolidada pela bula Transiturus de 8 de setembro de 1264. Para a solenidade, São Tomáse de Aquino compôs um ofício com o título Pange Lingua.
Assim, com esta solenidade, confessamos publicamente há mais de 700 anos: a Eucaristia é o verdadeiro Corpo e Sangue de Jesus, dado como alimento para aqueles que creem. Mas, não são os milagres que em primeiro lugar atestam e dão o sentido último de nossa fé na Eucaristia, senão a Palavra de Deus. O relato mais antigo da Ceia eucarística ouvimos hoje na segunda leitura: Paulo transmite à comunidade aquilo que recebeu do Senhor: na noite em que foi traído, ele disse: “Isto é meu corpo doado por vós”, “este cálice é a nova aliança em meu sangue… fazei isto em minha memória”. Este simples “τὸ ὑπὲρ ὑμῶν” que traduzimos por “doado por vós” resume todo o sentido da eucaristia. De fato, ela é uma antecipação da doação total e definitiva do Mestre, que será realizada na cruz. Ninguém como ele teve uma pro-existência, isto é, uma vida doada em favor dos outros. Jesus derrama todo o seu sangue na cruz, mas começou a derramá-lo já na manjedoura e durante toda a sua vida pública. Não vivia para si, não se colocava em primeiro lugar, não buscou a própria vontade e nem poupou fôlego, energia e saliva para anunciar o Reino de Deus. Tudo vai ser culminado na morte de cruz, onde Jesus sussurra ao Pai: “Tudo está consumado, tudo foi entregue, não me restou nada, nem mesmo o último suspiro. Sim, Pai, a Ti entrego o meu espírito!”. Da mesma forma que Jesus entrega a sua vida para que o mundo viva, quem come da Eucaristia deve aprender a entregar a vida em prol dos irmãos. Jesus celebrou o que viveu, nós devemos viver o que celebramos.
De fato, toda vez que um cristão celebra a Eucaristia, está fazendo memória da vida inteira de Jesus, de sua doação e amor a Deus e ao próximo. Isto significa que a celebração deve se estender para fora da Igreja e se tornar ação e entrega no amor. Isolar a Eucaristia da própria vida é um contrassenso. Ela não é um rito intimista, frio, vazio e infértil, mas um rico memorial, uma atualização e participação da vida do Mestre. Ninguém pode celebrar a Eucaristia com fervor e continuar com sua vida egoísta, mas precisa criar um estilo fraterno e servidor de vida porque nos tornamos um com o Cristo. Isto vale sobretudo para nós sacerdotes, que celebramos in persona Christi. Quando um padre celebra a Eucaristia e repete as palavras de Jesus: “Tomai e comei, isto é meu corpo doado por vós… Meu sangue derramado por vós”, ele não o faz afirmando: “este é o corpo de Jesus… o sangue de Jesus”, mas diz: “é o meu corpo… meu sangue”. Isto significa que, se o sacerdote não entrega a sua vida em prol dos outros na pastoral ou naquilo que faz, ele não celebra como devia. A Eucaristia é para o sacerdote fonte de espiritualidade e memória de amor a Deus e serviço aos irmãos, para o qual foi chamado em seu ministério.
É nesse sentido que deve ser interpretada também a Multiplicação dos pães, que ouvimos, ou seja: à luz de uma vida entregue aos outros, como pro-existência. Os mesmos verbos da eucaristia são usados aqui: “tomou, abençoou, partiu e distribuiu”. Jesus diz: “Dá-lhes vós mesmos de comer”. Os discípulos queriam lavar as mãos e abandonar o povo no deserto. Que cada um se vire! Jesus adverte os discípulos com o cuidado pelo povo, com o interesse pela fome material e espiritual das pessoas. É por isso que João coloca a última ceia no contexto do mandamento do Amor e do serviço. O amor é a única lição do Evangelho e também da Eucaristia: enquanto houver ódio, violência e egoísmo no mundo, é porque a humanidade ainda não alcançou sua maturidade no amor. Como afirmava Karl Rahner: “Enquanto houver pessoas passando fome no mundo, a Eucaristia será incompleta”. Podemos ampliar esta afirmação, acrescentando: enquanto houver fome, violência, rancor, ressentimento, ódio, desrespeito aos direitos humanos, corrupção, mentira e roubo, a Eucaristia será incompleta, pois onde não existe amor, não existe também Deus, e a Eucaristia será ainda um clamor para que Deus instaure seu Reino definitivo entre nós.
Não temo em dizer que foi a espiritualidade eucarística que fez da Igreja católica uma das instituições mais caritativas do mundo: asilos, casas de misericórdia, trabalhos com dependentes químicos, hospitais, orfanatos, etc. E quando uma diocese e paróquia não entendem isso e começam a gastar seus ricos dízimos apenas com estruturas físicas é porque não entenderam em profundidade a eucaristia que celebram.
No fim, fica a pergunta no ar: como você tem vivido a Eucaristia? Ela tem impulsionado você ao amor fraterno e à entrega em favor dos outros? Tem lhe ajudado a crescer numa intimidade proativa ou você a tem entendido e celebrado como uma experiência apenas individual, sua com Deus? Peçamos ao Senhor neste dia: Que Tua vida recebida em nós frutifique num contínuo amadurecimento do amor a Ti e ao próximo. Amém!
Fotos: Pe. Manoel Ferreira de Freitas
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