Foi realizada, na noite de quinta-feira (21/11/2019), a 13ª edição do projeto «Quintais de Cultura». Inicialmente, Pe. Geraldo Maia (Reitor do Colégio) acolheu a todos os presentes, de forma especial o professor convidado. Pe. Domingos (Diretor de Estudos do Pio Brasileiro) apresentou o professor Dr. Pe. Giuseppe Bonfrate (do departamento de dogmática da Pontifícia Universidade Gregoriana), que abordou a seguinte temática: «os desafios da Teologia na pós-modernidade». O docente, em sua exposição, desenvolvida através de um método genético, trabalhou uma breve arqueologia da «pós-modernidade» radicada na modernidade, identificou algumas características que marcam o pensamento pós-moderno, individuou algumas questões que emergem no âmbito teológico e, por fim, pontuou algumas provocações para se obter uma serenidade cultural.
Após a conferência os participantes expuseram os reflexos do tema em pauta através de perguntas direcionadas ao professor que prontamente desenvolveu sua apreciação. Logo em seguida, Pe. Geraldo Maia (Reitor do Colégio) expressou sua gratidão pela brilhante exposição do docente convidado e, por fim, encerrou-se o encontro com uma oração conduzida por Pe. Wellistony (Diretor Espiritual do Pio Brasileiro).
Vejamos os pontos apresentados:
1. Arqueologia
O saber teológico que chega ao século XVI é presunçoso de deter o conhecimento universal. A teologia cultiva a ambição de dar uma resposta a todas as perguntas do mundo, não somente sobre Deus, mas sobre a natureza e as coisas. Essa aspiração audaciosa promoveu a origem da modernidade como se pode perceber na obra «Vida de Galileu Galilei», do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898).
O livro supracitado faz referência a um fato ocorrido em Firenze, onde Galileu, diante da Comissão do Santo Ofício, destacou que a observação astrológica e astronômica é alcançada pela evidência dos fatos e constatada através dos sentidos, porém os clérigos, fechados em seu saber, negam a observação como método válido para o desenvolvimento do conhecimento. Entra em crise o sistema do saber que não quer medir-se com a realidade, dando origem à modernidade ratificada pela filosofia cartesiana. O movimento intelectual, promovido por René Descartes (1596), ratifica que o método moderno exige a contestação ou a falsificação para poder verificar a autenticidade de um sistema. Em outros termos, a estrutura de um pensamento deve sair de si mesmo e avaliar-se a partir de outro instrumento metodológico. Destarte, a demonstração não pode ser colocada no mesmo sistema que a põe em discussão.
Em síntese, ao lugar do saber dogmático entra o saber científico. Passamos de um dogmatismo teológico a um dogmatismo científico, cresce rapidamente a verificação cientifica e a necessária especialização, dando origem à crise de um critério único que possa declarar científica uma coisa ou outra. Desse modo, a força dogmática do saber cientifico entra em crise mediante a diferenciação científica.
2. Características
2.1 A verdade procurada na pluralidade
Jean-François Lyotard (1924), filósofo e sociólogo francês, e Gianni Vattimo (1936), filósofo italiano, como pensadores da pós-modernidade, destacam algumas caraterísticas pós-modernas: o fim das verdades absolutas, o abandono das grandes narrativas-ideologias (pós-marxismo, pós-fascismo, pós-nazismo), a ruptura das utopias compartilhadas e o abandono dos valores tradicionais. Deste modo, entram em crise os sistemas das grandes verdades.
2.2 O homem individualista, anárquico/antiautoritário, sem raízes e sem pudor
São elencados quatro elementos que distinguem o pensamento do homem pós-moderno. O primeiro é a individualização da subjetividade, isto é, o homem sem um povo, não porque não tenha relação, mas porque pensa que sua individualidade o torna capaz de realizar tudo que o serve. O segundo é a anarquia que não reconhece nenhuma autoridade, o homem não admite um patrão, não aceita a lei, não aceita nenhuma autoridade, nem moral, nem intelectual, nem civil, confia na livre autodeterminação. O terceiro é a renúncia das suas raízes: pátria, visão de mundo ligada a uma filosofia, uma espiritualidade, uma fé, uma convicção. O quarto é a exposição sem pudor, porque não é o seu problema, porque pretende se emancipar de toda forma de sujeição.
2.3 Pensamento frágil
A pós-modernidade propõe um pensamento frágil, isto é, uma sensibilidade amiga que não aceita a violência. Representa esta perspectiva M. Bubber (1878) e E. Levinas (1905).
O pensamento dialógico do filósofo austríaco propõe a neutralização da invencível convicção dos pensadores que consideram a existência somente uma fórmula: amigo e inimigo, para o filósofo, naturalizado israelita, esta fórmula é um mecanismo cultural violento, porque se não é amigo se deve suprimir dialeticamente aquele que é inimigo. Para Bubber o pensamento deve ser antiviolento, porque não admite absolutamente a lógica do inimigo, todos somos amigos, e, portanto, podemos encontrar a verdade dialogando e partindo da nossa posição diversa. Nesse sentido, o diálogo supera a dialética.
Mais dramática é a filosofia da alteridade do filósofo francês. Seria a filosofia da suavidade, que afirma o primado do outro, este pode ser o Cristo, mas pode ser o nosso tirano. Às vezes se deve renunciar até a conhecer o outro, porque o conhecimento pode ser violência.
2.4 Sem qualidade
A obra «O homem sem qualidade» (1930-1943) do escritor austríaco Robert Musil é um valioso livro que expressa com clareza a crise pós-moderna. O texto supracitado é um romance filosófico, com um protagonista que é matemático, isto é, segue o mito da ciência. O personagem principal está vivendo um momento dramático proveniente da 1ª Guerra Mundial, esta é a crise que o torna o homem sem qualidade: não sabe usar o valor do patrimônio cultural passado, bem como, não sabe estar no presente e individuar o futuro.
3. Questões
Existe uma boa notícia válida universalmente, se existe como propor? Para uma fé que põe seu objetivo na unidade do saber, unidade eclesial, e na unicidade divina, como conseguir apresentar a credibilidade de Deus na evidência da crise de unidade do verdadeiro?
Como usar a riqueza da nossa tradição? Nós temos uma grande história e uma grande tradição, como a usamos? Estaríamos usando-a, como diz Z. Balmam (1906), sociólogo polaco, somente olhando pra trás, ou mesmo a usamos para aprender a ler o presente com a sabedoria que acumulamos para individuar os sinais do tempo e o futuro?
4. Provocações
4.1 Ser capaz de reconhecer os sinais dos tempos
Marie-Dominique Chenu (1895), Teólogo dominicano francês, com grande influência sobre o Concílio Vaticano II, em seu livro «A Teologia como ciência no século XII», insistiu sobre a categoria teológica dos sinais do tempo, pondo ao centro a questão da história, não a história da teologia, mas a história relacionada à revelação de Deus. A centralidade da história é um instrumento útil para aprender a ser Igreja em nosso tempo.
4.2 Aplicar a sabedoria
Superar a tensão entre justiça e misericórdia com o princípio da sabedoria, é uma dinâmica que emerge do sentido, antes de argumentar o que se deve fazer ou não fazer.
4.3 Cultivar o discernimento
A palavra crise dentro do tecido da fé significa discernimento, este é opção profunda na qual nós temos o contato vital, não abstrato entre doutrina e vida. A proposta não é colocar o indivíduo no lugar do sujeito, mas sim recuperar a subjetividade que sabe responder à exigência do indivíduo. Ademais, o discernimento é instrumento para dar espaço a cada pessoa em sua singularidade.
4.4 Considerar o aspecto relacional da fé
Outra provocação fundamental é o princípio fundamental da relação, estrutura basilar da fé e da verdade da fé. Estas não são consideradas como adesão verídica à verdade proclamada. A fé não é um sentido verídico formal. A fé é relação, Deus é um na relação comigo. Se colocamos a questão da lei dentro da dimensão relacional da fé descobriremos o valor da sabedoria e do discernimento e assim responderemos ao outro grito da pós-modernidade que é o princípio da antiautoridade.
4.5 Revisitar o decálogo
O decálogo é colocado no êxodo, isto é, na dimensão paradigmática de um povo que está andando verso à Terra Prometida. Atrás havia a prisão, a escravidão. Este é o grito dos escravos que Deus escuta. A vocação de Moisés é suscitada do grito de seu povo. A resposta para dar a pós-modernidade é esta, a lei de Deus é a lei da liberdade. Devemos superar a fórmula do imperativo, e substituí-la com o indicativo.
4.6 Promover a comunhão
As obras: «Vida Comum» e «Resistenza e resa» de Dietrich Bonhoeffer (1906), teólogo e pastor Luterano, indica a importância de uma vivência cristã comprometida com a vida integral.
4.7 Aplicar a transdisciplinaridade (referida na Veritatis Gaudium)
Tomás de Aquino (1225) faz um ensaio muito útil de um pensamento capaz de recuperar a serenidade cultural na época pós-moderna. Ele faz uso das perguntas e respostas filosóficas do sistema aristotélico e procura soluções teológicas, isto é, usa a filosofia de Aristóteles (384 a.c.) como interlocutora e não como inimiga.
4.8 Motivar-se pela Encarnação
A doutrina não é um mineral que se encontra escavando a terra. A doutrina é um fenômeno em movimento, próprio pela centralidade que tem a cultura e a história de frente à revelação, porque o nosso modelo é a encarnação. O Verbo que se faz carne nos revela que a teologia não pode ser sem carne, sem história, sem pessoas que procuram Deus.
Texto: Pe. Carlos Eder Carneiro Mendes – Dioc. de Tianguá (CE)
Fotos: Pe. Irineu Costa Correia – Arq. de Santiago (Cabo Verde)
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