A expressão latina “hic iacet” que em português significa “aqui jaz”, vinha escrita sobre as lápides dos cemitérios mais antigos, ou nas entradas das criptas das catedrais históricas. Indicava que, sob aquela pedra, ou naquele túmulo repousavam os restos mortais de uma pessoa muito importante, já que as criptas eram usadas para sepultar os bispos, os nobres e os sacerdotes do alto clero. Era nas criptas que ficavam reservadas também as relíquias de primeiro grau dos veneráveis santos.
O Pontifício Colégio Pio Brasileiro, em Roma, no dia 29 de Janeiro de 2020, às 12 horas, inaugurou as novas instalações e os novos espaços da renomada, histórica e importante biblioteca do Colégio. Biblioteca essa conhecida pelo egrégio de maior acervo em língua portuguesa em solo italiano. A concretização deste justo empreendimento fazia parte de um projeto maior e belamente desafiante, que se tratava da otimização dos espaços do piso subterrâneo do edifício eclesial, a tríade compreende: a reestruturação do sistema de aquecimento de água, a instalação da nova e moderna lavanderia e o novo e amplo espaço da biblioteca.
No que tange aos livros e seus conteúdos, a configuração antiga comprometia a estrutura do prédio, seja pelo peso do contingente, seja pela logística obsoleta dos espaços. Então se cogitou a brilhante ideia de reformar os mesmos ambientes da antiga cripta da capela principal do Colégio, como ambiente principal de estudo e pesquisa da nova biblioteca.
Interessante para os estudantes do Colégio Pio Brasileiro, é perceber o valor simbólico incluso nesta nova instalação da biblioteca. Aos desapercebidos de ressignificação, facilmente entenderiam que agora sim os livros estão no seu devido lugar, ou seja, sepultados. Mas ao que, num primeiro olhar, possa parecer apenas uma cripta de livros, torna-se altamente significativo, num olhar mais sensível, transplantá-los ali, bem embaixo da Capela Principal de Nossa Senhora Aparecida, com uma subliminar epígrafe: hic iacet sapientia…
Assim como os túmulos guardam o conteúdo material dos entes queridos e, implícitos, carregam o motivo de serem jazidos nos campos santos da fé, ou nas criptas, ou então nos cemitérios, ou nos “sementeiros, com a firme convicção daqueles que os amavam, de que aquele corpo é semente boa, das sementes que morrem para gerar, das sementes que eclodem, gerando uma vida nova e diferente, que, a princípio, se tornam invisíveis aos olhos mortais, mas eternas e gloriosas aos olhos dos crentes e fiéis.
O mesmo acontece com os livros… Cada livro sepultado numa biblioteca carrega em si o conteúdo material da essência do saber. Cada livro, ao se deixar abrir pelo leitor, é também semente que morre diante da pesquisa, é semente que se permite eclodir diante da leitura laboral, é broto novo diante de um infinito de possibilidades semânticas, gerando para cada olhar científico, para cada exigência acadêmica, fragmentos ontológicos do verdadeiro logos…
A nova biblioteca do Pio se tornou alicerce para aqueles que celebram sobre ela o mistério da fé, na igreja do piso superior. A capela principal do Colégio se tornou o telhado sagrado para aqueles que não medem esforços para se expor ao sol do conhecimento. O novo espaço de estudo deixa claro que o trabalho da pesquisa, o ofício divino da busca incessante do saber inaudito, da novidade escondida nas páginas antigas e envelhecidas de algum clássico esquecido, possa resplandecer horizontes, adiar entardeceres… Seja nos santos e remotos registros do magistério, seja nos novos e desafiantes conceitos que pululam a razão humana, seja nos artigos que migram das mentes que impendem o recuo do pós modernismo, nestes tempos de involução política…
Aos discípulos da razão, com certeza, sustentaria a afirmação de que a filosofia, contida nos interstícios dos argumentos publicados nos livros da biblioteca, sustenta a teologia proclamada nas assembleias de inúmeras comunidades. Aos que amam a teologia, defenderiam juntamente com São Tomaz de Aquino, que o saber humano não existe sem Deus, e argumentariam sem hesitar que a filosofia mata sua sede no áureo poço da teologia. Uma coisa é certa, todo saber que for gerado no subsolo do Pio Brasileiro e rezado nos altares que se sobrepõe à biblioteca, será parte da pedra fundamental de uma nova e sadia evangelização.
Felizes os que conceberem a capela como um manto e a nova biblioteca como berço. Felizes aqueles que se sentirem protegidos do alto pela fé e aquecidos pela vocação do saber. Felizes os que entenderem que sobre a sabedoria humana se instalam o mistério que se revela no altar da Palavra e no altar do Pão Eucarístico.
A nova biblioteca e antiga cripta carregam, nas linhas sedimentadas do mármore rosa, a impressão digital da história da Igreja do Brasil, mas também carregam história daqueles que investiram homens e bens na aventura do aprendizado. Entre as estantes dos livros e sobre as novas salas de leitura, a nave da capela grande do Pio, simbolicamente, garante aos mestrandos e doutorandos, a grata representação de que eles estão sendo gerados no útero da Depositum Fidei, sob os olhos cuidadosos de Maria Santíssima e a misericordiosa proteção de Nosso Senhor!
Padre Mauro José Ramos
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